sexta-feira, 10 de março de 2017

Centro comercial escolar

Resultado de imagem para shopping, clipartEsta semana, SÓ esta semana, assisti a duas operações de venda privada em escolas públicas e aquilo fez-me uma certa confusão. Os paizinhos desembolsaram, no mínimo, dezoito euros e noventa num livro e num pacote de experiências de química e ciência. A terem comprado apenas uma de cada das amostras disponíveis. 

Estou a falar de uma colecção com cento e tal exemplares, cujo protagonista é um famoso rato de origem italiana e poderosa ferramenta de distribuição editorial. E de uns brinquedos educativos para pequenos cientistas que, supostamente, transformarão as suas casas em verdadeiros laboratórios científicos.

É sabido que sou uma verdadeira entusiasta da leitura e que cá em casa até há um bioquímico. Portanto, o meu problema é outro. Nada a obstar ao estímulo, à curiosidade, à imaginação ou ao conhecimento científico dos meias-lecas.

A questão é:

Será legítimo que a Escola Pública se servilize a estes interesses lucrativos privados? Não haverá na Escola recursos para fazer o mesmo sem entrar nestes esquemas que, a mim, me parecem ter motivações que passam pouco pelo desenvolvimento integral da criança?
É só a mim que esta comercialização da escola pública incomoda?
Será mais fácil para os paizinhos descarregarem uns euros de má consciência para serenarem o consumismo emergente dos gaiatos do que chamarem os agrupamentos à pedra? 
E, por outro lado, qual o interesse dos senhores directores nesta negociata de mão cheia? 
Qual o papel dos professores neste processo mercantil? Vendilhões do templo, que serão expulsos se não alinharem? Legitimadores fidedignos do processo?

Será que os critérios de selecção para o Plano Nacional de Leitura estão comprometidos com mais alguma coisa para além do simples prazer pela leitura, da cultura literária e do desenvolvimento linguístico? Porque não anda, então, a Menina do Mar da nossa Sofia, ou os Bichos do nosso Torga a circular pelas nossas escolas, a fazer furor com golpes de marketing para ofuscar miúdos e graúdos? Onde param os nossos clássicos infantis, uma Luísa Ducla Soares, um José Jorge Letria? Por que razão não tem o nosso António Mota, que até vem às escolas e encanta os miúdos, uma projecção editorial tão grande? Por que razão - decente- vem este, como outros, autores à escola sem vender livros ANTES da visita, sob o pretexto de autografar os exemplares à sua chegada?

 A mesma impressãozinha comichosa já me havia feito o famigerado Key For Schools, o ditoso exame de inglês de uma empresa britânica, que ia tornar os nossos alunos fluentes e competentes na língua estrangeira, atribulando as rotinas escolares e a logística das nossas escolas........

Houve ainda, aqui há tempos, uma empresa psico-pedagógico-orientada que aplicava - nas escolas - uns super testes psicotécnicos (?) com valências vocacionais (?) e que permitiam ainda avaliar a competência linguística na língua inglesa e o domínio de estratégias de estudo (???). (Não me perguntem; não cheguei a ver as ditas cujas provas).
Depois eram convocadas umas reuniões de pais - na escola - onde eram apresentados os resultados trágicos (pfff) dos meninos nas provas que eles tinham aplicado e que eles tinham avaliado, God Knows How!
Diagnosticadas as enormíssimas dificuldades e carências, era oferecida a fórmula para o sucesso, que consistia numas aulas de estudo acompanhado e de inglês aos sábados, sob módicas quantias que os pais, confrontados com tais resultados, estavam, em grande escala, dispostos a pagar. Aulas e sessões de estudo a virem a ser concretizadas ao sábado - REFRÃO: na escola!
Ora a empresa usaria as instalações da escola pública, usaria os recursos que o erário público financia (luz, computadores, quadros interactivos, fotocópias, marcadores, sei lá eu!) e havia captado clientes, sublinho: clientes, exactamente no habitat natural do público alvo...


Moral da história:
A coberto de valores tão dignos como
o gosto pela leitura
o espírito científico
ou
o sucesso académico 

vale tudo e a escola vira casa da sogra.




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