terça-feira, 28 de novembro de 2017

Na caixa do supermercado


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       Dois carrinhos cheios à minha frente. O habitual pensamento de que a caixa ao lado teria sido melhor escolha, porque a nossa percepção nos diz que anda mais rápido. As filas onde alinhamos andam sempre, invariavelmente, mais lentamente. Aquelas que eu escolho empancam sempre. Um cartão que não aprova. Um cupão fora de prazo. Um produto sem código de barras. O escarcéu.  
      A senhora à minha frente pousa uma caixa de cartão com um carregamento para pistolas Nerf no tapete deslizante. Penso, já estás grandinha para brincar com isso. Sorrio para a ideia dela, de mola na cabeça, casa fora, a brincar com a pistola atrás do marido em cuecas. Agora dispõe alimentos. Escolhas que não seriam as minhas. Cereais muito açucarados. Ice-teas gigantes. Batatas fritas, packs familiares delas. Agora, comida. Mais uma vez, produtos pelos quais não opto: nuggets, douradinhos, lasanhas pré-confeccionadas, o tipo de coisas que, penso, os meus filhos devem comer às carradas nas cantinas, pela comodidade - de preparar e de consumir (agrada ao paladar dos pequenates).
     Reparo que pintou o cabelo hoje de manhã. Ficou bem, embora ainda revele marcas de tinta na testa e nas patilhas, ao lado das orelhas. Cabeleireiro de bairro, provavelmente. Não, hoje de manhã não. Ainda são onze horas. Não deu tempo. Talvez ontem à tarde, antes de ir buscar os miúdos à escola. Miúdos, sim, deve ter dois. Um das fraldas que agora colocou no tapete, o outro da pistola, pois claro, era para o mais velho, não para ela. Também fez o buço. Ainda está vermelho. Se calhar, então foi mesmo hoje de manhã, cedinho, assim que os largou, na ama e na escolinha. Arranjou as unhas, essas estão decentes. De gel, vermelho. Outra opção que eu teria saltado (o rubro). De qualquer forma está melhor do que eu, que precisava desses três cuidados e não arranjo tempo nem para um. O meu cabelo está curto e desgrenhado, o buço comprido e destratado, as unhas clamam lima, nem sei sequer se tirei as remelas. 
     Olha, a caixeira da fila ao lado já aviou mais um. Eu não me mexo. Comprou pensos higiénicos, a senhora da frente. Deve estar naquela altura do mês; portanto o bebé já não é recém-nascido; mas ainda não dorme a noite toda, a avaliar pelos papos que traz debaixo dos olhos. Pensando bem, não é critério. Eu também os trago e já não tenho quem chore de noite. 
     Isto não desanda. Para a próxima vou para aquelas que somos nós a fazer o serviço; aquelas em que passamos os produtos e tudo. Fazemos nós o serviço e pagamos o mesmo, mas, pelo menos, a gente tem a sensação de que está a fazer alguma coisa para resolver o problema. Agora assim... este impasse! Ainda por cima o caixeiro é feio! Jovem, mas bexigoso. E a precisar tanto (ou mais) de um corte de cabelo como eu. Chama-se Eurico, leio na lapela. Coitado. Um mau emprego, uma cara estragada e um nome feio. Oxalá tenha sorte noutras coisas.
     O marido da senhora da frente gosta de uísque; acabou de pousar duas garrafas de uma marca com duas letras no tapete. Ou, se calhar, já é para oferecer no natal. Ao sogro. Ou ao chefe. Ou ao vizinho que fez o favor de lhe trazer um saco de cebolas e uma tronchuda. Ou então é mesmo para ela, ao serão, depois de deitar os putos, enquanto vê a novela. Assim como assim, talvez isso explicasse as bolsas debaixo dos olhos.
     Vai pagar! 
     Temos esperança! 
     Talvez eu ainda consiga enfiar 
a correcção de testes/ 
roupa estendida/
preparação do almoço/
escrita de crónica/
leitura-de-só-mais-um-capítulo-deste-romance-que-me-traz-agarrada-e-me-faz-a-mim-papos-e-olheiras 
antes da uma hora da tarde!
     O caixeiro feio tem um apelido pior do que o nome próprio, reparo agora que avanço três passos: Carqueijo. (como o chá?) Franzo os olhos míopes para focar. Sai-me, em voz alta, Carqueijo? Ele explica, amavelmente, solícito, feliz por sair do discurso formatado (cartão XXXX? cupões? vai desejar factura com número de contribuinte? tem quatro euros e vinte e oito cêntimos de saldo, deseja descontar?)  Carqueijó, é Carqueijó, na impressão é que não saiu o acento; é um apelido ainda muito comum nesta zona. Ah, pois muito bem, era mais um saco, por favor. 
     Ala que se faz tarde! E esta espera trouxe-me a urgência de mais uma tarefa a entalar nos meus múltiplos afazeres: procurar a cabeleireira lá do bairro!

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